Mineira, de 37 anos, chega à sua quarta edição de Paralimpíadas
com uma meta ousada: ouvir o hino brasileiro nas quatro provas

Vinícius Dias

Na manhã de quinta-feira, quando for dada a largada para a classificatória dos 100 metros T11, no Engenhão, as atenções estarão voltadas para Terezinha Guilhermina. A retinose pigmentar - doença congênita que causa a degeneração da retina - tirou da mineira a visão, mas não a possibilidade de voar. Ouro nas Paralimpíadas de Londres, em 2012, com direito a recorde mundial na prova, a morena de cabelos coloridos chega ao Rio de Janeiro com o rótulo de 'cega mais rápida do mundo' e, aos 37 anos, tem disposição de sobra para superar limites.


Entre os dias 12 e 16 de setembro, ela também competirá nos 200 e 400 metros T11 e no revezamento 4x100 metros T11-T13. "Minha expectativa é a melhor de todas. Quero ouvir o hino nacional em todas essas provas, comigo no lugar mais alto (do pódio)", afirma ao Blog Toque Di Letra, projetando ainda novos recordes. Para isso, ela conta com o apoio do público. "Sendo em casa, sei que a torcida será de verdade para mim. É um momento único e quero aproveitá-lo ao máximo, dar o melhor de mim e conquistar ouro nas quatro provas", completa Terezinha.

Terezinha: ouro e recorde em Londres
(Créditos: Buda Mendes/CPB/Divulgação)

Considerada um dos ícones da delegação brasileira, a velocista construiu um currículo invejável em quase duas décadas de atletismo: três ouros em Jogos Paralímpicos, oito em Mundiais, além de conquistas nacionais e continentais. Uma prova da capacidade de transformar dificuldades em oportunidades. "Eu enfrentei inúmeras (dificuldades). Sempre há quem desconfie, sempre há quem jogue pedras. A questão é o que fazemos com a pedra que jogam em nós. Ou deixamos ela nos acertar ou pegamos uma a uma e construímos grandes alicerces", pondera.

Falta de tênis foi obstáculo

De origem humilde, Terezinha nasceu em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e foi criada em Betim. Aos 22 anos, sem oportunidade no mercado de trabalho após concluir o Ensino Médio, viu no esporte uma alternativa. O ponto de partida foi um projeto para pessoas com deficiência na cidade. "A princípio, natação, por possuir um maiô para a prática, mas não o atletismo que eu queria, por não possuir um par de tênis. Foi quando minha irmã me presenteou com o único par que ela tinha", relembra.

Mineira completa 16 anos de carreira
(Créditos: Daniel Zappe/MPIX/CPB)

A falta de tênis, contudo, não era o último obstáculo. "Ouvia que eu correr e ser a melhor do mundo era a mesma coisa que comparar um Fusca com um avião". O enredo rumo ao sucesso ainda teve advertências médicas por excesso de corrida ignoradas. "Eles diziam que, se eu não parasse de correr, precisariam amputar a minha perna. Na época, eu respondi: 'primeiro vocês amputam e depois eu paro'. Costumo dizer isso de forma engraçada, mas não foi fácil", ressalta a atleta, que chegou a correr com pés de tênis invertidos para minimizar o impacto do desgaste da sola.

No primeiro pódio, iogurte

A dedicação logo foi recompensada e, em uma das primeiras provas que disputou, Terezinha Guilhermina conheceu o doce sabor do pódio. O segundo lugar ainda rendeu R$ 80, premiação que permitiu a ela realizar um sonho de infância: comprar um iogurte. A estreia internacional pela seleção brasileira aconteceu em 2001, quando completava o primeiro ano de atletismo. Do Parapan para deficientes visuais, disputado na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, trouxe três medalhas.

Em 2015, velocista teve Bolt como guia
(Créditos: Marcio Rodrigues/MPIX/CPB)

Até 2005, ela competiu na classe T12 - baixa visão. A mudança para a T11 - cegueira -, depois de perder o restante da visão, marcou um recomeço. Correr com um guia ou deixar o esporte eram as alternativas. "(Os guias) são os meus olhos, que, quando preciso, eles me emprestam", pontua. No Rio de Janeiro, os guias de Terezinha serão Rafael Lazarini, nos 100 e 200 metros, e Rodrigo Chieregatto, nos 400 metros. "A relação precisa ser de muita confiança, pois a coordenação e a interação são pontos-chave para o sucesso da parceria", acrescenta.

Ao lado do jamaicano Bolt

A necessidade de guia culminou em uma emoção especial durante o Desafio Mano a Mano, no ano passado, na Cidade Maravilhosa. A mineira correu ao lado do astro jamaicano Usain Bolt. "O esporte proporcionou a mudança da minha realidade e a realização dos meus sonhos. Por meio dele eu pude chegar ao posto de melhor do mundo em todas as provas que compito. Quero permanecer nele por longos anos ainda", assegura. De fato, ela conquistou bem mais do que o sonhado iogurte. Seja com o coração ou com os olhos, é impossível não notar seu brilho.

Um comentário:

  1. Excelente a reportagem. Parabéns! Parabéns também à Terezinha, pelo seu exemplo de vida, de garra, de perseverança. É um exemplo para todos nó que, às vezes, reclamamos muito da vida por por motivos bem fúteis. Obrigado Terezinha por você existir e nos dar aula de como viver a vida.

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